Vinte discos de Rita Lee são reeditados dentro de um luxuoso box, que também inclui um CD compilando raridades. Viabilizado pela fusão das gravadoras EMI e Universal, a caixa tem álbuns lançados entre 1970 e 2004.
Vista de uma só vez, a coleção facilita e ilumina melhor o valor da rica obra de Rita Lee, passando por fases distintas. Está ali a jovem vocalista dos Mutantes experimentando em seus dois primeiros discos solo. Também aparece a roqueira que rompeu barreiras e criou uma linguagem brasileira com o grupo Tutti Frutti. Os anos de blockbuster, criando sucessivos hits irresistíveis ao lado de Roberto de Carvalho e extrapolando seu pop refinado para América Latina, EUA e Europa. Sendo múltipla (às vezes ao mesmo tempo), Rita é sempre ela com digital própria e forte marca.
Em tempos de fundamentalismo e ideias conservadoras falando alto, a obra de Rita Lee é grito de liberdade cada vez mais válido e urgente. De maneira simplista Rita Lee pode ser vista como uma das maiores vendedoras de disco da história do país, emplacando hits que viraram clássicos. Mas o conjunto vai além do que as rádios tocam e gravam no inconsciente coletivo. Forma uma obra contestadora que grita por liberdade e se expressa através da fina ironia nas letras genais. Rita Lee é a voz rebelde da juventude, o dedo na cara da censura, a crônica política, o olhar atento para a sociedade, o romantismo sacana do amor sem culpa nenhuma.
Se as letras falam de liberdade, musicalmente Rita Lee nunca se limitou a rótulos. De alma roqueira, flertou com a disco, inventou o que chama de rockarnaval (abrindo seu pop festivo para influências das marchinhas), fez bolero, fox, brincou com a new wave e a eletrônica. Mais latente exemplo dessa liberdade aparece no álbum Santa Rita de Sampa, de 1997: lado a lado estão músicas com participações da banda Raimundos (a releitura para Ando jururu) e Guinga (em Tum tum, gravada originalmente por Maria Alcina). Sem choque.
O CD inédito Pérolas, que reúne raridades, também mostra bem essa faceta múltipla de Rita. Ela é surpreendente intérprete de músicas como O que é que a baiana tem, I like you very much, Felicidade, Samba do Arnesto e Sassaricando. Mas também traz delícias da fase Tutti Frutti que ficaram perdidas em compactos ou trilhas de novela como Ambição, Lá vou eu, Caçador de aventuras, Arrombou a festa e Status.
A posição de Rita Lee como uma das grandes protagonistas da história moderna da música brasileira é nítida nessa coleção. O box não é completo, mas monta um painel bem amplo de toda a carreira de Rita. Peça fundamental. Para divertir, para dançar, para pensar, para não deixar nada – nem ninguém – parado.