Uma história de amor e música, uma sociedade alternativa vivida de verdade e de maneira natural. A história da dupla Luhli e Lucina é contada no belíssimo documentário Yorimatã, primeiro longa do cineasta Rafael Saar. Ainda inédito no circuito comercial, o filme – co-produção Imagem-Tempo, Dilúvio, Tela Brasilis e Canal Brasil, com patrocíncio da Riofilme – foi apresentado na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e na Semana dos Realizadores no Rio.
Para contar essa história Rafael optou pela poesia de imagens que dizem muito, seja em rico material de arquivo ou em gravações recentes. Narrado em primeira pessoa, o roteiro é costurado com depoimentos de artistas próximos a elas como Ney Matogrosso, Antonio Adolfo, Zélia Duncan, Gilberto Gil, Joyce Moreno, Luiz Carlos Sá, Tetê Espíndola e Alzira E.
Construindo sons, criando tambores artesanais e timbrando vozes e cordas do violão, a trajetória da dupla mostra o início da produção independente no Brasil. A história soa incrivelmente atual. Insatisfeitas com os planos e estratégias de marketing das gravadoras, Luhli e Lucina partiram para o mercado independente por influência de Antonio Adolfo que já havia lançado a idéia com seu LP Feito em casa. Uma entrevista da época impressiona pelo discurso que poderia ser aplicado ainda em 2014. Dessa maneira criaram uma música livre de rótulos ao mesmo tempo flertando com as paradas de sucesso em gravações de Ney Matogrosso, Marília Pêra, Wanderléa, Nana Caymmi e Frenéticas entre outros.
Essa via alternativa ao mercado reflete o dia-a-dia das artistas, que viviam isoladas em um sítio na zona oeste do Rio criando uma família com o fotógrafo Luiz Fernando Borges. Lá tiveram filhos, plantaram sua própria comida e criaram uma vasta e rica obra de mais de 800 músicas, que até hoje guarda inéditas.
O filme fotografa essa história peculiar de maneira muito bonita. Abrindo o acervo de filmes em Super 8 feitos por Luiz Fernando, também recorre ao acervo de TVs. Na hora de gravar os depoimentos atuais, o diretor busca cenários que foram importantes nessa história.
Yorimatã mostra uma trajetória única. Com doçura e naturalidade Luhli e Lucina criaram uma grande obra, ainda pouco conhecida. Sem levantar bandeiras o filme questiona sociedade e fórmulas pré-concebidas – na sociedade e na música. A liberdade de Luhli e Lucina é espelho muito limpo que reflete e questiona o mundo atual.