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Rita Lee conta sua história

Há 50 anos Rita Lee foi passear. Uma adolescente paulistana de classe média seguiu o único caminho que era possível: dar corda para sua criatividade. Partindo nas ondas multicoloridas do tropicalismo – que ajudou a criar – escreveu seu nome na história do Brasil moderno. A personagem está nua – mas sem jamais perder o humor – em Rita Lee – uma autobiografia, livro que lança pela Editora Globo.

Longe de ser um livro chapa branca. Com graça, humor e leveza, Rita toca em assuntos muito difíceis. Conta de uma violência sexual que sofreu na infância, de sucessivas internações, dramas familiares e da dependência química. Também fala sobre discos e músicas que considera pouco inspirados com espantosa sinceridade – inclusive quando analisa o legado dos Mutantes. Rita nunca foi de fugir desses assuntos em entrevistas e mesmo quando participou do elenco do programa Saia Justa. Mas aqui vai mais fundo em suas sinceras lembranças.

Entre momentos difíceis lembra com detalhes a história de sua saída dos Mutantes e os meses seguintes – assunto até então desconhecido. Conta como deu a volta por cima criando o Tutti Frutti e – mais uma vez – teve seu tapete puxado. Dá detalhes da prisão pela ditadura militar. De cada buraco difícil, saiu vitoriosa. Da parceria com Roberto de Carvalho ganhou liberdade para voar e chão para pisar. Lidando com alegria, humor e deboche, Rita chegou ao estrelato absoluto no país e – sem fazer esforço – ganhou o topo de paradas internacionais. Não poderia ser diferente: o livro narra uma história feliz.

O texto é leve e flui com a graça que os leitores esperam da artista. A prosa segue o magnetismo da poesia, abusando de linguagem coloquial e tiradas bem humoradas. Os detalhes da lembrança da infância impressionam. Mas o mais delicioso é acompanhar os passos da criação de uma grande história. Sem pretensões de mudar uma geração, Rita lançou seu perfume pop construindo uma das mais importantes obras da música brasileira – que ainda merece análise mais profunda e sem preconceitos. Quem disse que rock precisa ser sisudo para falar sério?

O retrato do artista encontra na própria Rita uma severa crítica. Por outro lado a história deixa claro que a obra que construiu em 50 anos é muito maior do que seu tempo. O discurso de Rita Lee é atemporal – e fica ainda mais urgente a cada passo conservador do mundo. Os versos escritos são organismos vivos que mais do que fotografar um tempo, propagam ideias. Sem levantar bandeiras de partidos, sua obra é política gritando liberdade e uma sociedade mais justa. Uma história sem fim.

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