Em seus últimos álbuns Elza Soares deu voz a um discurso político lúcido e libertário. Elza fala para o Brasil 2019 e deixa registrado para o futuro um retrato tempos confusos, de luta e resistência urgente. Não poderia ser diferente nesse “Planeta fome”, que ela lança pela Deck Disc com assinatura do produtor Rafael Ramos, um ano após gritar que “Deus é mulher”.
O título remete a uma história do início da carreira de Elza, quando ela foi se apresentar como caloura no programa de Ary Barroso. “De que planeta você veio?”, perguntou o compositor e apresentador debochando de sua roupa improvisada. “Do mesmo planeta que o senhor, o planeta fome”, rebateu Elza Soares mostrando, já em 1953, quem era. A expressão empoderamento ainda nem era festejada.
Nesses 66 anos de carreira Elza passou por várias fases. Fez muito sucesso e caiu no esquecimento, brilhou mas enfrentou preconceitos e tragédias. Renasceu, se reinventou, recriou e conectou com um novo público. É nesse palco pop que hoje Elza brilha com inteligência, lucidez, ousadia e entrega. Nessa trajetória improvável conquistou o lugar de voz de uma juventude insatisfeita e com urgência de justiça social.
Seu discurso é humanitário, pede oportunidades e justiça. Um desejo atemporal mas que anda em marcha-ré. Assim pode regravar desde um antigo sucesso de Gonzaguinha (atualíssima “Comportamento geral”, que gerou o primeiro e impactante clip do disco) até a bandeira tema do trio carioca “Não Recomendado” (“A placa de censura no meu rosto diz / Não recomendado a sociedade”). Entre guitarras roqueiras e o rap improvisado divide “Blá blá blá” com Bnegão e ainda cola com irreverência a balada “Me dê motivos” na voz de Pedro Loureiro, que assina a concepção artística do álbum.
Em “Brasis”, de Gabriel Moura, Seu Jorge e Jovi Joviniano, dispara: “Tem o Brasil que cheira / Outro que fede” para terminar com esperança: “Quero ver o seu povo de cabeça em pé”. Confortável no peso do som do BaianaSystem, Elza garante “Eu não vou sucumbir” em “Libertação”. “A carne mais barata do mercado não tá mais de graça / O que não valia nada agora vale uma tonelada”, mostra em “Não tá mais de graça”. O disco é todo assim: um ato de força e resistência.
Elza pede justiça social. Elza pede liberdade individual. Elza pede igualdade. Elza pede amor. Essas bandeiras tão amassadas e pisadas por um país dividido e com raiva é o grito de existência de uma artista que sabe o que diz (o tal e importante “lugar de fala”). Empoderada e cheia de razão Elza é voz que faz o Brasil se questionar e se ouvir. Necessário retrato para entender e vencer uma sociedade doente.