Grupo vocal que fez história nos palcos fluminenses (e brasileiros) nas décadas de 1980 e 1990, o Garganta Profunda ganha resgate em um canal no Youtube que começa a postar vídeos do acervo dos integrantes. Harmonizando fortes doses de humor e os arranjos vocais do maestro Marcos Leite, o Garganta fez grande sucesso em shows temáticos.
A iniciativa de abrir o baú de imagens veio do músico Fabiano Salek, filho do maestro que faleceu em 2002. “Foi batendo um papo com a Kátia Lemos, uma das fundadoras do grupo, que a convenci de revirar o seu baú e para nossa sorte ela acabou encontrando 14 shows digitalizados abrangendo o período de 1991 a 1997”, conta Fabiano. “De posse desse acervo criei o canal no YouTube, que será de grande valia para que possamos matar a imensa saudade dessa linda história e principalmente para que as futuras gerações tenham acesso ao legado do Marcos e do Garganta para a MPB”.
Fabiano lembra que a importância do maestro vai além do grupo. “Meu pai deixou um legado de extrema importância para a música coral brasileira, quase quatrocentos arranjos para diferentes formações vocais. O seu maior laboratório, sua maior obra, foi o Garganta Profunda. Por ele passaram inúmeros artistas que estão aí em plena atividade nos dias de hoje. Marcos ensinou a todos uma maneira ímpar de se cantar em coro, fugindo dos estigmas tradicionais do canto coral, mesclando sofisticação, humor e delicadeza em seus arranjos, além de proporcionar o encontro entre música e cena de uma maneira muito natural”, lembra Fabiano.
O canal que registra a história do grupo começa resgatando uma apresentação realizada em novembro de 1991 em São Paulo. Salek promete mais novidades e imagens inéditas para breve.
A produtora, jornalista e poeta Flávia Souza Lima fala sobre o Garganta Profunda:
Daquilo que se perde a conta: a emoção. Pisquei os olhos e daqui a pouco faz 20 anos da partida tão absurdamente precoce de Marcos Leite, o incrível maestro, arregimentador, arranjador, professor e outras manhas mais do grupo vocal Garganta Profunda (e de tantas outras vozes, como as do belo projeto curitibano Brasileirão, grupo do qual esteve à frente no final dos anos 90). Não fosse apenas um visionário do coro brasileiro, o que ele certamente foi (e para mim, segue sendo), Marcos foi aquele tipo de mestre que pegava a massa de vozes com as mãos as talhava, torcia e combinava de forma tão bonita quanto surpreendente. Há tanto tanto tanto o que se dizer sobre ele! A música de Marcos Leite era um estado de alma.
Também perdi a conta de quantos shows do Garganta eu testemunhei (é essa mesmo a palavra), inicialmente na plateia, depois como amiga de Marcos e um pouco mais adiante como produtora do grupo, o que muito me honra até hoje.
A discografia do Garganta, infelizmente, não é extensa – estamos falando de um grupo independente em tempos analógicos, aqueles em que se enfrentavam barreiras bem maiores que as de hoje para se registrar um trabalho – mas é muitíssimo significativa. Procurem saber.
Álbuns e shows mergulharam em universos vastos e o Garganta tem um amplo leque sonoro registrado que apresenta, por exemplo, composições de Braguinha; dos Beatles – talvez o show mais longevo e de maior sucesso do grupo, cabeça a cabeça com o que se dedicou à Tropicália. Deixou gravado um encontro entre Noel e Chico e mesmo Cazuza recebeu a sua cota de arranjos vocais assinados pelo maestro. Isso sem falar no “álbum branco” do Garganta, aquele que traz capa assinada por Paulo Caruso e que encerra o Lado B com um antológico registro de “Saudade da Guanabara”. Mais do que da Guanabara, sinto saudades mesmo é de Marcos Leite.
Além dos caminhos (com tijolos dourados) ladrilhados pelo maestro, a força cênica do Garganta Profunda também era elemento de impacto. Quem viu, viu. Nos já tecnologicamente distantes anos 90, quando os smartphones não eram apontados a tudo e a todos, torna-se ainda mais valioso o registro que agora vem à tona: um canal de YouTube inteiramente dedicado ao trabalho de Marcos Leite, espalhando um pequeno acervo de shows do Garganta Profunda que estavam sob a guarda de uma de suas principais vozes, a de Katia Lemos.
“A voz de alguém quando vem do coração” era, sempre tive a impressão, o sentimento de Marcos Leite à frente de seu grupo. Hoje esse sentimento ganha o mundo.
Flávia Souza Lima
Rio, 14 de junho de 2020
15:59