No seu centenário a cantora Elizeth Cardoso está tendo a atenção que sempre mereceu. Elizeth está no olimpo das grandes vozes brasileiras, no mesmo patamar de Elis Regina. Acontece que Elizeth – talvez por ser de uma geração pré-Festivais, talvez por nunca ter tido um efetivo trabalho de marketing depois de sua morte por parte de herdeiros e gravadoras – não tem hoje sua obra reconhecida e valorizada no país. Seus discos são facilmente encontrados no Japão, mas no Brasil os raros relançamentos não tiveram o mesmo movimento.
Em 2020 – ano que comemoramos seu centenário e lembramos 30 anos de ausência – a história pode começar a mudar. Hoje – 16 de junho – Elizeth é tema de diversas lives , capa dos suplementos culturais dos grandes jornais, e a Universal Music lança nada menos que 26 títulos da discografia da cantora nas plataformas digitais.
A gravadora – que hoje detém os acervos das gravadoras Copacabana e Odeon – coloca nas plataformas de streaming um riquíssimo acervo com 17 álbuns de carreira, um coletivo, um EP com quatro faixas raras e sete compilações. Promete para breve novos lançamentos com dois álbuns que Elizeth dividiu com o Zimbo Trio em 1969 e 1970.
O centenário da cantora é efeméride perfeita para um mergulho nos discos de uma das maiores vozes do país.
Mais informações sobre cada álbum*
– “Fim de Noite” (1958) – Álbum editado originalmente no formato “LP de 10 polegadas”, com oito faixas, trazendo na ocasião mais quatro quando foi reeditado em “12 polegadas” – “Culpe-me”, “Segredo”, “Negro telefone”, todas de Herivelto Martins (com parceiros), lançadas num álbum-tributo ao compositor, além de “Nunca é tarde” (João Pinto). Destacam-se as regravações de três clássicos de nosso cancioneiro: “Último desejo” (Noel Rosa), “Feitio de oração” (Vadico/ Noel), “Prece ao vento” (Gilvan Chaves) e “No rancho fundo” (Ary Barroso/ Lamartine Babo).
– “Naturalmente” (1958) – O destaque deste álbum vai para “É luxo só”, samba que Ary Barroso fez com Luiz Peixoto em 1956 pensando na Divina, especialmente para o musical Mister Samba, de Carlos Machado. O espetáculo de grande sucesso estreou na boate Night and Day, da Cinelândia carioca, e tinha como mote a própria trajetória de Ary, que contribuiu neste disco com outra inédita, “Jogada pelo mundo”. O samba-canção “Suas mãos” (Pernambuco/ Antonio Maria), o sambão “Na cadência do samba” (Luiz Bandeira), cuja versão instrumental de Waldir Calmon foi tema do “Canal 100” nos cinemas da época, e a valsa “Olha-me, diga-me” (Tito Madi) são dignas de nota.
– Magnífica (1959) – Este álbum é todo dedicado a canções de Marino Pinto com seus parceiros famosos, como Mario Rossi (“Cidade do interior”), Carlos Lyra (“Velhos tempos”, lançada por Dalva de Oliveira) e Tom Jobim (“Aula de matemática”, criação de Sylvia Telles).
– “A Meiga Elizeth Nº2” (1962) – Este álbum abre com o samba carnavalesco “Deixa andar” (Jujuba), grande sucesso da cantora, que defende ainda duas joias de Haroldo Barbosa e Luiz Reis, o sambalanço “Moeda quebrada” e o samba-canção “Tudo é magnífico”, outro grande hit de sua carreira, além de recriar o clássico de Tito Madi, “Cansei de ilusões”.
– “A Meiga Elizeth Nº4” (1963) – Este disco que não obteve muito êxito à época, mas vale ser redescoberto por suas canções de Billy Blanco (“Balada da solidão”, “Lado bonito de um mal”), da dupla estourada naquele tempo, Evaldo Gouveia e Jair Amorim (“Nosso cantinho”, “Existe alguém”), Silvio César (“Seu José”), Fernando Lobo (“Quando vier o sol”), entre outros.
– “A Meiga Elizeth Nº5” (1964) – Este, também um disco com bons compositores, mas sem maiores hits. Destaque para as recriações de “Canção que nasceu do amor” (Rildo Hora/ Clovis Melo), já gravada por Cauby Peixoto, e “Diz que fui por aí” (Zé Kéti/ Hortênsio Rocha), primeiro hit de Nara Leão.
– “400 anos de Samba” (1965) – O ano do quarto centenário da cidade do Rio de Janeiro foi amplamente comemorado em 1965, seja pelas escolas de samba cariocas, concurso de música carnavalesca promovido pela prefeitura e diversos lançamentos pelas gravadoras, que editaram discos especialmente para a data. Neste álbum de Elizeth, apenas o samba-título de Luiz Antônio é alusivo ao tema. Entre as demais, o destaque vai para o samba “O meu pecado”, da incendiária dupla Nelson Cavaquinho e Zé Kéti.
– “Elizeth Sobe o Morro” (1965) – Um dos discos mais importantes da Divina. Aqui as turmas do show “Rosa de Ouro” e das noitadas do restaurante Zicartola, na Rua da Carioca, grande “point” da intelectualidade e da música daquele tempo, são devidamente incorporadas ao seu repertório, incluindo Nelson Cavaquinho (“Vou partir”, “A flor e o espinho”, “Luz negra”), Zé Kéti (“Malvadeza durão”), Elton Medeiros e Hermínio Bello de Carvalho (“Folhas no ar”), Paulinho da Viola e Candeia (“Minhas madrugadas”), Cartola (“Sim”), entre outros.
– “A Bossa Eterna de Elizeth e Cyro” (1966) – O programa “Bossaudade” apresentado pela dupla Elizeth Cardoso e Cyro Monteiro na TV Record, entre 1965 e 66, rendeu dois álbuns. O primeiro, com ele ainda no ar, marcou época, incluindo pot-pourris incendiários de samba, à moda do “Dois na Bossa”, de Elis Regina e Jair Rodrigues, além de outros deliciosos exemplares do gênero gravados separadamente, como “Tem que rebolar”.
– “Muito Elizeth” (1966) – Um novo e requintado álbum com a assinatura do produtor Moacyr Silva renovava mais uma vez o som da cantora, dividindo-se entre o acompanhamento de regional (“Mundo melhor” e “Lamento”, ambas de Pixinguinha e Vinicius de Moraes) e o de uma cozinha mais bossa-jazz, com influência da “MPB” nascente, destacando “Cidade vazia” (Baden Powell/ Lula Freire), “Sem mais adeus” (Francis Hime/ Vinicius) e dois sambas-canções que se tornariam seus grandes emblemas vida afora, “Meiga presença” (do filho Paulo Valdez, com Otávio de Moraes) e “Apelo” (Baden Powell/ Vinicius).
– “A Enluarada Elizeth” (1967) – Após cantar a “Melodia sentimental”, de Villa-Lobos com letra da poeta Dora Vasconcellos, Elizeth além de “Divina”, passou à “Enluarada”, acumulando a partir de então dois epítetos. Neste LP, além da canção citada, reviveu dois hits de Orlando Silva, o samba carnavalesco “Meu consolo é você” e o eterno samba-choro “Carinhoso”. Também recriou o samba-canção bossanovista “Demais”, do repertório de Sylvia Telles e Maysa, e entoou um longo “Seleção de sambas da Mangueira”.
– “Viva o Samba – Elizeth Cardoso, Francineth, Cyro Monteiro, Roberto Silva” (1967) – Este álbum coletivo valoriza os compositores das escolas de samba carioca, até então bem pouco gravados e conhecidos. Coube a Elizeth defender três deles, o futuro clássico “Meu drama (Senhora tentação)”, de Silas de Oliveira, do Império Serrano, que anos depois seria sucesso de Roberto Ribeiro; e dois menos conhecidos, “Festas tradicionais do Rio de Janeiro”, de Ledi Goulart e Hinha, da Mocidade Independente de Padre Miguel, e “Perdi a namorada”, dos portelenses Catoni, Jabolô e Waltenir.
– “A Bossa Eterna de Elizeth e Cyro Nº2” (1969) – Mais um álbum da dupla que apresentou o “Bossaudade” na TV Record. Nele, Elizeth reviveu “Louco”, de Wilson e Henrique Batista, sucesso de Aracy de Almeida no carnaval de 1947, “Sei lá, Mangueira” (Paulinho da Viola/ Hermínio Bello de Carvalho), que foi defendida num festival daquele ano por Elza Soares, sendo novamente sucesso em sua voz, além de outros medleys azeitados em duo com o Formigão.
– “Falou e Disse” (1970) – Além de ser um álbum de ótimo repertório, Elizeth teve aqui a primazia de lançar João Nogueira como compositor em “Corrente de aço”. Defendeu ainda belas parcerias de Baden Powell e Paulo Cesar Pinheiro (“É de lei”, “Refém da solidão”, “Aviso aos navegantes”), regravou o hit de Paulinho da Viola da época, “Foi um rio que passou em minha vida”, e trouxe um belo samba de roda da Bahia, “A flor de laranjeira”.
– “Feito em Casa” (1974) – Aproveitando a grande explosão mercadológica do samba nos anos 70, sobretudo após o estouro de Martinho da Vila e Clara Nunes, Elizeth fez um álbum em que gravava partido alto, como “Água de sereno”, de Romildo e Toninho, que acabavam de estourar “Conto de areia” na voz de Clara, e sambas derramados como “Peso dos anos”, de Candeia e Walter Rosa.
– “Elizeth Cardoso” (1976) – Aqui também um álbum com a prevalência do samba. Vale destaque para a até então inédita “Minha verdade”, de Dona Ivone Lara, ainda antes da fama, com Délcio Carvalho; “Entenda a rosa”, de João Nogueira, e uma inédita da dupla João Bosco e Aldir Blanc, “De partida”.
– “Live in Japan” (1977) – Um dos melhores da Divina foi este “Live in Japan”, pioneiro álbum gravado por uma artista brasileira naquele país, em que ela realizava também sua primeira turnê. O repertório é irrepreensível, trazendo apenas clássicos da música brasileira, alguns sempre associados a seu nome (“Barracão”, “Naquela mesa”, “Apelo”, “É luxo só”, “Manhã de carnaval”) e outros igualmente emblemáticos (“A noite do meu bem”, “Última forma”).
– “A Cantadeira do Amor” (1978) – Este álbum duplo marcou o fim de seu contrato com a Copacabana. São 26 músicas que fazem um passeio por várias fases da história da música brasileira, incluindo alguns de nossos maiores compositores, como Chico Buarque (“Até pensei”), Hélio Delmiro e Paulo Cesar Pinheiro (“Velho arvoredo”), Noel Rosa (“Século do progresso”), Baden Powell e Vinicius de Moraes (“Deixa”) e Cartola (“Acontece” e “Autonomia”).
Extra:
– “Elizeth Cardoso” (EP 4 faixas) – Pequena coletânea inédita de quatro faixas, incluindo “Trinta e um de dezembro” e a regravação do sucesso de Francisco Alves, depois revivido por Caetano Veloso, “Chuvas de verão”, ambas do 10 polegadas “Música e Poesia de Fernando Lobo” (1957), do qual fazia parte ainda “Bom é querer bem”, que está incluída no álbum da série “Bis Cantores do Rádio”. Outro destaque é Quarto vazio”, do LP “Um Compositor em Dois Tempos – Jubileu de Prata de Herivelto Martins” (também de 1957), que trazia cinco números com a cantora, sendo esta a única que não entrou em outros produtos, e “Balão apagado”, rara composição de Noel Rosa e Marília Batista, lançada em primeira mão num 78 rpm, em 1961.
* notas do release enviado pela Universal Music