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Ultramar – Adriana Calcanhotto ancora a despedida do show “Margem” no Rio

Onde palavra não há. É esse o não-lugar que margeio e do qual (não) escrevo sobre Adriana Calcanhotto, depois do show de encerramento da gira brasileira de “Margem” no Circo Voador (detalhe transbordante por si), numa tórrida noite de verão e lua cheia neste Rio de Janeiro (de tão inóspitas águas, aliás), sábado último.

O mar, (i)matéria-prima, travessia e porto de “Margem”, “Maritmo” e “Maré”, sempre fez a onda depois de outra onda depois de outra onda da artista balançar com força e beleza. As canções pescadas de sua trilogia marinha traçaram, certeiras, uma generosa carta náutica em cerca de 1h40 de navegação sonora-visual-sensorial. Ogunté pós-modernista, envolta pelo figurino que emula uma rede de pesca, lançou mão de temas como “Maré” (Moreno Veloso / Adriana Calcanhotto), “Porto Alegre” (Péricles Cavalcanti), “Mais feliz” (Cazuza / Dé Palmeira / Bebel Gilberto), “Devolva-me” (Renato Barros / Lilian Knapp), “Futuros Amantes” (Chico Buarque), “Maresia” (Paulo Machado / Antonio Cícero). Do álbum que nomeia o show, pescou “Os Ilheus” (José Miguel Wisnil / Antonio Cícero), “O Príncipe das marés” (Péricles Cavalcanti), além de suas “Ogunté”, “Lá lá lá”, “Era pra ser”, “Meu bonde” e “Margem”.

Mais do que exímia comandante de sua nau, Adriana Calcanhotto é também marinheira e, como tal, divertiu-se com sua tripulação. Além do impecável trio que a acompanhou nesse trabalho (Bem Gil, Bruno Di Lullo e Rafael Rocha), ela trouxe ao palco também a intensa Ana Cañas (que abrira a noite à bordo de sua voz e de seu violão, corajosa, agarrando o Circo à unha), com quem dividiu “Aquário”. Com a delicada introspecção de Rubel (que havia cantado dois Caetanos clássicos com Gal Costa na semana anterior), ela dividiu “Mentiras” e “Você me pergunta”, canção talhada sob a verve de suas composições iniciais. A fulgurante Mahmundi brilhou em “Inverno” e “Esquadros”. Calcanhotto voltou a reunir o cardume para o número final da noite, “Cariocas”, emblemática ode ao Rio composta por seu olhar estrangeiro de gaúcha apaixonada pela cidade.

“Eu preciso do mar porque me ensina: não sei se aprendo música ou consciência:”. “Essa obra de arte de Deus, disse o pescador ao canal de notícias sobre o cardume prateado de sardinhas”. O verso de Pablo Neruda se une ao de Adriana Calcanhotto diante do deslumbramento poético provocado pela observação do mar, justamente ali, quando ele se dá como imagem inadiável. Misterioso, impermanente, inspirador: que ele volte sempre a assaltar Adriana Calcanhotto. E que, finda, a viagem não finde.

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