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Carnaval de quarentena

Luana Carvalho lança EP produzido por Kassin, com obras gravadas por sua mãe, Beth

 

“E essa colina / Tá aí pra te abrigar”: esse precioso verso de “Falso reinado”, poderia ser uma metonímia (dentre tantas bonitas possibilidades) do novo EP de Luana Carvalho, gravado remotamente durante a pandemia, cirurgicamente batizado de “Baile de máscara”, a partir de hoje nas plataformas digitais. Contrariamente ao samba (de Adilson Bispo e J. Roberto) ora vestido por uma ‘levada gafieirística’ (marcado pelo luxuoso sopro de Marlon Sette), o reinado de Luana nada tem de falso. Herdeira (mais literal impossível) de Beth Carvalho — preciosa voz e fundamental relevo do samba desde que chegou na cena da música brasileira (curiosamente com uma bossa nova da estrelar dupla Menescal-Bôscoli, em 1965, antes de explodir com o tema que a acompanhou por toda a trajetória, “Andança”, via FIC, três anos depois) –, é ela o gatilho do álbum de Luana, que canta bonito, doce e preciso sobre a sonoridade elegantemente produzida pelo sinuoso e instigante produtor Kassin.

 

A evocação a um enlevo carnavalesco costura as eleitas de Luana neste primeiro ano marcado pela ausência da mãe. Suas escolhas foram vertidas em bela ‘atualização-releitura-festa-baile-carnaval-quarentena-celebração’ que chegou com audição-estreia virtual proposta pela Rádio Vozes de Patricia Palumbo — que, ao lado das lives de Teresa Cristina e de outras pontuais raridades, assina um dos bálsamos dessa quarentena, o podcast-sensações “Peixe voador” — mas esse já é outro assunto.

 

“Meu escudo” (dos gloriosos Délcio Carvalho e Noca da Portela), cerzido pela sempre estonteante harpa de Cristina Braga, abre a audição trazendo outro verso que também grifa o trabalho que pousa nesse momento de particular sensibilidade: “para suportar um mundo de desilusão / vou usando como escudo o meu coração” (há verso mais atual que esse?). Coração, aliás, é presença certa nos versos de “Carnaval” (de Carlos Elias e Nelson Lins de Barros), fisgado do LP “Andança”, de 1976 e também nos de “Dia seguinte”, sobre as tantas fantasias desfeitas, que Carlinhos Vergueiro assina bonito com J. Petrolino, gravado por Beth no ano de 1993, em álbum dedicado ao samba de São Paulo.

 

Um quê de inesperado confere especial lustre a “Visual” (Neném e Pintado), registrada há mais de quatro décadas pela ‘Madrinha’, época em que já se notava as ‘idiossincrasias’ do mundo do carnaval. Última faixa a entrar no disco, abriga as vozes de Beth, Luana e Mia, respectivamente avó, filha e neta. É bonita a festa, pá.

 

“Minha festa”, dos (como evitar os adjetivos?) geniais ícones Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, talvez a mais conhecida dentre as escolhas que compõem esse leque-homenagem de Luana, encerra a audição. Sabe aquela história de “fechar com chave de ouro”? Pois.

 

“Mais que nunca é preciso cantar / é preciso cantar e alegrar a cidade”, profetizou Vinicius na “Marcha da Quarta-feira de Cinzas”, melodia de Carlos Lyra. Luana Carvalho mostra saber das grandes promessas de luz, ao espanar as cinzas e seguir à risca o bom conselho do poeta.

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